segunda-feira, 20 de agosto de 2012

SÍNDROMES PARANEOPLÁSICAS: ANTES OU DURANTE O DIAGNÓSTICO DE CÂNCER. E DEPOIS?


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A leitura deste meu texto é difícil e exige paciência.
Se não conseguirem acompanhá-lo, compartilhem com médicos amigos seus, ou conhecidos da área de Neurologia, Oncologia e Imunologia. Apesar de Gecélia estar sendo muito bem acompanhada, outras visões e opiniões nunca são demais.

Dedico esta postagem como forma de agradecimento ao Neurologista e ao Oncologista de Gecélia, que a acompanharam durante os internamentos hospitalares: Dois médicos jovens e brilhantes. E lhes peço desculpas caso tenha cometido erros aqui. Afinal, apesar do que escrevo ser fruto de sua orientação, também tem origem nas minhas loucas pesquisas e nas experiências ao acompanhar Gecélia, e por isso, bem como por não ser médico, não sou obrigado à perfeição, para explicar sua enfermidade. Sou um simples acompanhante "avançado".

Paz.
Samuel Luna, esposo de Gecélia Luna.

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Desde Dez/2010, quando Gecélia teve o resultado de sua tomografia, mostrando uma massa de 14x10cm no tórax, que eu tenho pesquisado sobre tudo o que é relacionado às enfermidades dela.

As piores fases de pesquisa são as pré-diagnóstico, quando vemos os sintomas evoluindo, mas não há dados concretos do que se trata. São fases horríveis, muito perigosas para quem não sabe pesquisar, pois o emocional fica muito afetado.
Gecélia teve três fases destas: antes do Linfoma, antes da Síndrome de Eaton-Lambert e antes da Degeneração Cerebelar Paraneoplásica, quando eu ficava horas a fio no computador, varando pela madrugada, em busca de informações, sempre de fontes confiáveis, como artigos científicos, sites idôneos e até livros da área. Muito importante que as fontes de pesquisa sejam corretas.

Depois, quando vinha o diagnóstico, a coisa era mais tranquila, pois as pesquisas se resumiam ao que era detectado, bem como ao contexto em redor. Mesmo assim, não era fácil, pois dificilmente, minhas pesquisas se resumiam à doença diagnosticada, sempre ultrapassando sua fronteira até chegar a outras doenças semelhantes.

Foi assim que aprendi sobre Linfomas e seus diversos subtipos (não Hodgkin primário do mediastino, Linfoblástico, Malt, de células T, etc), mas também pesquisei sobre câncer de um modo geral.
Também adquiri informações sobre a Síndrome de Eaton-Lambert (seu mecanismo de ação, sintomas, resposta aos medicamentos,etc), mas também pesquisei sobre outras síndromes paraneoplásicas (Encefalite Límbica, Opsoclonus-Mioclonus, etc), até chegar na Degeneração Cerebelar Paraneoplásica, que foi o terceiro diagnóstico cumulativo de Gecélia.

Nesta fase, que foi dez Dez/2011, os sintomas dela pioraram muito, de modo que eu tinha que aprender sobre a doença ao mesmo tempo em que a via cada dia pior. Foi muito difícil para mim. Eram leituras a fio, sobre as prováveis causas desta síndrome, seu mecanismo de ação, os efeitos que ela causava no corpo humano, e também o modo como ela se apresentava em exames. O grande problema é que esse estudo é difícil até para os profissionais da área, que são os neurocientistas, pesquisadores e médicos assistentes, por diversos fatores:
- a fisiopatologia exata de muitas das síndromes paraneoplásicas é bastante desconhecida;
- muitas vezes, não há achados em exames tradicionais, de modo que o diagnóstico é por exclusão de outras patologias;
- a sua raridade dificulta a troca de informações e o registro de sua incidência;
- outros.

(Pra facilitar minha digitação, a partir daqui, utilizarei as abreviações oficiais das doenças, vindas dos originais em inglês, sendo LEMS para Eaton-Lambert, PCD para Degeneração Cerebelar Paraneoplásica e PNSs para Síndromes Neurológicas Paraneoplásicas)

Pra piorar tudo, o quadro evolutivo de Gecélia era raro até mesmo dentro do contexto das síndromes raras. Vejam se não estou certo ao afirmar isto, mesmo que alguns neurologistas não quisessem admitir por completo:

CIÊNCIA - afirma que as PNSs ocorrem, em sua IMENSA maioria, antes do diagnóstico de um câncer, até cinco anos antes, servindo inclusive de apoio para um diagnóstico precoce do tumor, e também podem ocorrer concomitantemente ao câncer, inclusive melhorando com o tratamento da doença de base;

PACIENTE GECÉLIA - suas PNSs ocorreram depois do câncer ter sido descoberto, tratado e quando ela estava em remissão da doença. Eu simplesmente não encontrava NENHUM relato de caso como o dela, seja no Brasil (até porque o único relato de caso em português data de 2000), ou no exterior. Em todos os relatos de caso que eu encontrava, as síndromes ocorriam antes ou durante o diagnóstico de câncer.

CIÊNCIA - menciona alguns achados em exames, como detecção da LEMS através de uma Eletroneuromiografia e achados da PCD através de uma Ressonância Magnética de Crânio.
No caso da LEMS, um dos achados consistiam em sinais cada vez mais elevados dos nervos (não entrarei em mais detalhes), à medida em que eram mais estimulados (repetitivamente), ao contrário da Miastenias Graves, doença semelhante e um pouco mais popular, quando os sinais diminuíam com o aumento dos estímulos nervosos de repetição. Já para a PDC, poderiam ser encontrados sinais de atrofia cerebelar, detectados nas RMNs. A ciência também menciona que pode-se fazer uma Pesquisa de Painel Paraneoplásico no sangue e no líquor do paciente, afim de se encontrar os anticorpos causadores das síndromes paraneoplásicas. Para a PDC, por exemplo, há os anticorpos anti-Hu, anti-Yo e anti-Tr, respectivamente presentes em pacientes com câncer de pulmão de pequenas células, câncer de ovário e linfoma, e que são lançados pelo organismo, numa espécie de reação autoimune, contra as células de Purkinje, importantíssimos neurônios presentes no cerebelo, componentes de um circuito altamente complexo, que inibe ou estimula os sinais nervosos dos movimentos, regulando assim a coordenação motora.

PACIENTE GECÉLIA - No caso do exame para comprovação da LEMS, foi submetida a DUAS Eletroneuromiografias, tendo como resultado de ambas, uma resposta dos nervos estudados praticamente uniforme aos estímulos nervosos de repetição. Em linguagem mais simples para nós, "meros mortais", as duas deram resultados NORMAIS, de quem não tem LEMS nem Miastenias Graves. O grau de minhas pesquisas era num nível tão avançado que, na segunda Eletroneuromiografia, enquanto Gecélia levava choques e furadas nos músculos (o exame é terrível), eu observava os gráficos na tela do computador do neurologista e pensava comigo mesmo: "Como é que pode... tá dando tudo normal!". Isso foi testemunhado por minha sogra. Eu falei pra ela antes do exame terminar que tava tudo normal. Também tive a audácia de perguntar ao neurologista no meio do exame: "Doutor, parece que tá tudo normal, como se ela não tivesse LEMS, não é?" E o médico, amigável e pacientemente, respondeu-me: "Sim, até agora, está tudo normal".
Depois, no final de tudo, o médico pegou seu iPad e passou uns dez minutos lendo, em pé, encostado na parede, pra depois emitir o seu laudo, impressionado com tudo. Resultado normal.
Mas Gecélia estava tremendamente sintomática no contexto da LEMS, apresentando visão turva, boca seca, ausência de reflexos patelares (aquele do martelinho no joelho), dificuldades autonômicas (urinar e evacuar), fraqueza generalizada, um contexto neoplásico anterior (câncer) e o mais impressionante: resposta melhorada da fraqueza a estímulos físicos repetitivos, quando este teste era feito não no exame, mas pelo neurologista, manualmente mesmo. A clínica neurológica não podia ter dúvidas: sendo superior ao resultado de exames, que muitas vezes, podem falhar (também não vou entrar em mais detalhes), determinou que Gecélia fosse submetida, sim, a tratamento.
Quanto à PDC, Gecélia já havia sido submtetida a três Ressonâncias Magnéticas de Crânio (RMNs), e depois do aparecimento da ataxia (principal sintoma), foi submetida a mais três. O resultado: nenhuma atrofia cerebelar. Tudo NORMAL, em todas elas. Enquanto isso, minha esposa apresentava fala escandida (disartria), dificuldade na deglutição (disfagia), uma descoordenação motora terrível, com tudo quanto é sinal de disfunção motora: não conseguia fazer o index nariz, seja porque passava direto (hipermetria), ou não alcançava o alvo, e outros mais. Ela estava sim com ataxia cerebelar. Foi novamente submetida a tratamento.

E o tal exame dos anticorpos? Esse, o único passível de indicar algo, não é coberto por nenhum convênio do país, tinha um custo muito alto, a coleta do sangue e do liquor só é realizada em São Paulo e outras poucas capitais, sendo que o material é enviado pra fora do Brasil, e possui um "erro" de aproximadamente 50% no resultado (mais uma vez, não aprofundarei detalhes). Não valia a pena fazer. O tratamento seria exatamente o mesmo com os achados da clínica neurológica, caso desse positivo.

Até mesmo o LCR que ela fez deu inocente, sem bandas oligoclonais, pleiocitose ou outros indícios, apresentando tão somente uma discreta elevação de proteínas. Muito pouco, de modo que não falava nada aos médicos. E outro fato importante: ausência de células malignas no LCR, descartando infiltração do Linfoma. Este, por sua vez, foi muito bem estudado no início do ano, até mesmo com biópsia de medula óssea, sendo constatado que o câncer era apenas no mediastino. Águas passadas: após 8 sessões de R-CHOP e 17 rádios, minha esposa estava em remissão.

CIÊNCIA - Menciona que as chances de melhora do quadro neurológico são maiores quando se trata o tumor de base.

PACIENTE GECÉLIA - como tratar o tumor de base para tentar melhorar o quadro neurológico, se o tumor de base já havia sido tratado? E se não se achava mais nenhum câncer na paciente?
Foi feito um PET-SCAN, uma espécie de tomografia de corpo inteiro, capaz de detectar atividade tumoral, dando como resultado ausência de câncer, além de uma cirurgia para retirada de um cisto de ovário, que mesmo com um comportamento benigno há três anos, poderia ter malignizado. Cirurgia efetuada, através da extração do ovário esquerdo de Gecélia em Dez/2011, material enviado para biópsia e o resultado: ausência de células neoplásicas na amostra, ou simplesmente dizendo, nada de câncer. Resultado NORMAL.
A cirurgiã, Dra Terezinha de Jesus (um nome desse deve ser mencionado!), excelente médica e pessoa humana, que veio em nossa casa gratuitamente para retirar os pontos de Gecélia, a quem chamava carinhosamente de "minha menina" (emoção ao digitar isso), afirmara pra mim logo após a cirurgia: "Samuel, sua esposa não deve ter câncer de ovário, não. Aquilo é um endometrioma. Não sei bem no caso de vocês, mas ausência de câncer sempre é bom."
Cês já pensaram? Que declaração a dela? Mas porque ela sabia que os médicos investigavam um CÂNCER de base, para tratá-lo e tentar recuperar Gecélia de seus sintomas neurológicos. Só que não acharam nada, além do Linfoma que já havia sido tratado. O resultado confirmou a presença de um Endometrioma, e a cirurgia valeu por curar Gecélia de uma Endometriose que a incomodava há anos.

Então, foi o período em que surgiram os cuidados secundários, como implantação de uma sonda gástrica e necessidade de um home care. O convênio NÃO COBRIA, de modo que o processo judicial continua até hoje, quando tenho uma audiência de conciliação marcada para Set/2012.

Por tudo isso, não deu outra: foi em Fev/2012 que eu adoeci. Não conseguia pesquisar mais nada, pois quanto mais lia, mais o caso de minha esposa continuara obscuro para mim. E olhem que ainda tinha que aprender sobre os tratamentos, com seus diversos medicamentos (Imunoglobulina Humana Intravenosa, corticosteróides, inibidores de acetil colinasterase, etc.) e suas interações.

O máximo onde cheguei foi tentar conhecer o interior do cerebelo: passei a ler livros de Neurologia, pesquisando sobre a anatomia deste órgão tão incrível, mas que passa despercebido por todos nós que não somos da área. Cheguei a tentar entendê-lo a nível celular, e percebi o quanto o mesmo é complexo e importante para nós. Foi uma pesquisa "sonâmbula"... enquanto as coisas aconteciam ao meu redor, estava como que num transe, lendo sobre aquilo onde quer que estivesse (andava com o eBook, no celular).

Então, tive que parar. Comecei a ter problemas de memória recente, concentração, alguns poucos tremores, cansaço físico, intolerância emocional e outros. Minhas pesquisas haviam se encerrado. Gecélia iria pra casa, de home care, e eu havia adquirido uma "cultura" que jamais gostaria de ter.

Por isso, procurei me afastar das leituras e me focar nos cuidados caseiros a Gecélia, por conta da nova realidade em nossa casa. Isso começou em Abr/2012, e se estendeu até Ago/2012, quando subitamente, meio que por instinto, tive uma "recaída" e decidi procurar pelo menos uma última vez por casos que se assemelhassem ao de Gecélia.

Acreditem: estamos em Ago/2012, e após todo esse tempo, encontrei um artigo científico que menciona dois casos de pacientes que haviam tido LINFOMA, estavam em remissão da doença, e durante este período, desenvolveram SEVERA ATAXIA CEREBELAR, com anticorpos totalmente diferentes dos anticorpos da PDC. Parece que finalmente, consegui encontrar alguma luz no fim do túnel científico! Além disso, consegui encontrar um segundo artigo, mencionando um outro caso, apenas sem o Linfoma.
Ou seja, este tipo de ataxia cerebelar é TÃO RARO que só há três casos registrados na medicina. Porém, muita coisa no contexto dessa rara forma de ataxia cerebelar "bate" com o caso de minha esposa. Mesmo que um detalhe importante ainda não seja semelhante, que é o fato dos exames de imagem mencionados nos artigos terem detectado hipersinal na região do cerebelo, e os exames de Gecélia terem sido todos normais, uma coisa que me deixou alegre foi o fato da ataxia cerebelar do primeiro paciente DESAPARECER após sete meses de tratamento. Está lá escrito. Mas é uma alegria com os pés no chão, para não sofrer decepções, e com a mente e o coração voltados para Deus, pois hoje em dia, aprendi a ler sobre essas coisas, mas sem colocá-las acima da fé em Deus, esta sim, indubitavelmente importante.

Passei os artigos para nosso médico, que está pesquisando. Não tenho a mínima idéia se isso dará em alguma coisa, pois ele também pesquisa outros diagnósticos diferenciais, ainda que apenas no contexto das doenças autoimunes, cujo universo parece ser mesmo onde Gecélia se enquadra. Sobre o conteúdo destas pesquisas alternativas, do que se trata e quais as chances de serem válidas, não posso comentar aqui em HIPÓTESE ALGUMA. Seria um desrespeito para com o grande profissional que nosso médico assistente é.

Além disso, reconheço que sou muito "intrometido", demais da conta, e procuro frear isso ao respeitar os profissionais, pois não há cabimento algum que um Engenheiro Civil fique se metendo na área de medicina. Exceto por um motivo: se este engenheiro tiver a esposa incapacitada como Gecélia está. Aí, pelo menos, deve lhe ser dado algum crédito, alguma confiança em suas loucas pesquisas, mesmo que através de alguns retornos e elucidação de dúvidas, pois isso é a busca de uma cura para o amor de sua vida. E nesse quesito, graças a Deus, estamos bem acompanhados!

Samuel Luna.
Agosto de 2012.

2 comentários:

  1. Samuel,

    Sou Patricia e tenho um problema semelhante com minha mãe. Ela desenvolveu ataxia cerebelar e estamos sem causa diagnosticada. Tudo começou em fev/2012. Ja fui a diversos Neurologistas e estamos em uma nova tentativa em um Dr. no Aisnteisn. Podemos nos comunicar. Le seu relado quase chorando aqui na empresa onde trabalho. Suas sensações são parecidas com a minha e no meio dessa desenfreada busca por informação cai no seu relato.

    Ja fizemos muitos exames como vc e até agora nada.

    Espero poder falar com vc.

    Deixo meu email.

    patriciarosanti@hotmail.com

    ** Vamos ter fé que vamos ver as duas caminhando novamente.

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  2. Gostaria de trocar informações. . Estamos diante de uma situação semelhante aqui.

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