segunda-feira, 20 de agosto de 2012

GECÉLIA: MEU AMOR, MINHA OUTRA METADE



Desde o mês de Março de 2012, estive de licença do trabalho pelo INSS (auxílio doença), devido à enfermidade definida pela minha médica psiquiatra como “Episódio Depressivo Grave sem Sintomas Psicóticos”. 

Estava com reações emocionais descontroladas, como chorar na frente de um caixa de supermercado, emocionar-me durante uma conversa com alguém do trabalho,
 sobre assuntos diversos, esquecer de eventos recentes, faltar com a concentração e outras coisas do tipo. Tais sintomas eram fruto de um estresse mental, físico e emocional, causado por toda luta travada para combater as enfermidades de Gecélia.
De fato, enquanto os familiares e amigos conseguiam nos ajudar e, ao mesmo tempo, continuar suas vidas, com seus trabalhos, estudos, compromissos, práticas de lazer e de descanso, mesmo estando preocupados com minha esposa, eu não conseguia fazer nada disso, e estava mergulhado no seu cuidado. Ainda em Novembro de 2011, cheguei a trancar um MBA em gestão de Obras e Projetos que estava fazendo, pois não conseguia produzir nada, mesmo com aulas mensais.

Durante a licença, tinha recomendação médica, psicológica e de parentes e amigos para me ausentar de casa sempre que possível para me distrair, afim de “renovar” as forças e voltar a cuidar dela quando voltasse pra casa. Porém, fiz isso muito pouco. Minhas saídas se resumiam a rápidos encontros com um ou outro amigo, para saborear alguma refeição, e depois, voltava pra casa correndo, ansioso para estar ao lado de minha esposa novamente. Como se não bastasse, as minhas conversas eram quase sempre sobre Gecélia. Os amigos Gilberto Júnior e Alexandre Miranda, que acompanhavam a situação desde o início, tinham que ter paciência comigo, pois eu não encontrava outro assunto para conversar, exceto raras exceções.

Outras vezes, conseguia ir à Igreja. Sou membro da Igreja Evangélica Batista de Casa Amarela, em Recife/PE. Mas como toquei guitarra por dois anos na Banda Talentos, comparecia também algumas vezes no culto da Segunda Super de Louvor, na Igreja Evangélica Congregacional Pernambucana, hoje sob liderança de seu Ministério de Louvor. Fora isso, não fazia praticamente mais nada fora de casa, há não ser resolver coisas.
Com isso, o tempo passou e eu confesso a todos que não segui à risca a recomendação médica; ou melhor: não CONSEGUI segui-la, uma vez que a ordem era sair para me distrair e reabastecer as energias. Mas como, digam-me, como uma pessoa pode distrair-se, ou até divertir-se, sabendo que o amor de sua vida está em casa sem poder fazer o mesmo, tendo variações entre momentos de tranqüilidade, mas também de angústia, gritos e prantos? Como se divertir sem a pessoa que sempre foi sua companhia em tais diversões? Para mim, isso era, e ainda é quase impossível.

Por conta de tudo isso, ao retornar ao trabalho no início de Julho de 2012, passei apenas uma semana. Fui acometido de uma gripe forte, e ao voltar na psiquiatra, obtive mais tempo de licença pelo INSS, pois a conclusão era de que eu ainda não estava preparado para o retorno, nem mesmo parcialmente.
Assim, passei metade do mês de Julho e mais quinze dias do mês de Agosto de 2012 sob licença médica, e mais uma vez, minha postura foi a mesma: em casa, praticamente o tempo todo, cuidando de Gecélia e dos meninos.

Hoje, escrevo este texto na véspera do meu segundo retorno ao trabalho. As dúvidas permeiam minha mente, pois mesmo com psicoterapia semanal, consultas psiquiátricas, um remédio antidepressivo que tenho tomado e a prescrição médica para me distrair, meu sentimento é que nunca mais estarei em plena forma para voltar ao trabalho. Pra falar a verdade, acredito que nunca mais estarei em plena forma para nada que não envolva Gecélia diretamente. Infelizmente, é um desabafo que faço pelo que tenho tentado durante todos estes meses, mesmo com a condição neurológica de minha esposa estável desde Março (Única exceção: o louvor e adoração a Deus, estes de forma pessoal, individual).
Não dá, gente! Simplesmente, não dá! Não é que eu irei me isolar para sempre do mundo exterior... Não é isso. O problema é que tenho a sensação de que, enquanto minha esposa estiver “estável” em sua condição, eu também estarei “estável” na minha. E esta estabilidade já se instaurou.
Enquanto Deus não enviar a cura de Gecélia, nunca serei o mesmo Samuel que era antes. É fato.

Antes, todo o meu lazer era praticamente com minha esposa... Assistir a filmes e seriados (assistíamos Lost e Grey's Anatomy juntos), jogar videogame (jogamos Super Mario 64, do Nintendo 64, juntos, até o final) sair para jantar, ir à praia, passear no parque, viajar, tudo era com ela. Nada contra a estas práticas, mas nunca fui daqueles maridos que jogam bola aos sábados de manhã, e no domingo à tarde, vão ao estádio de futebol (nem gosto de futebol); nunca fui de sair com os amigos do trabalho na sexta feira à noite, nunca fiz nada que fosse sem minha esposa, exceto raríssimas exceções. Praticamente nada. Tudo isso fazíamos juntos. Até mesmo conversar, conversava muito com ela... Contava-lhe tudo: aonde ia, com quem ia, o que ia fazer, a que horas ia voltar... Lembro-me que, certa vez, houve a despedida de um companheiro do trabalho, que havia passado em outro concurso, e que seria na sexta à noite, em um restaurante. Celinha chegou a me ligar, exigindo que eu fosse, pois ela sabia que aquilo era saudável pra mim, e que eu não tivesse hora pra voltar. O resultado é que, em meio às conversas dos colegas, eu senti aquele vazio estranho... Acabei indo pra casa às dez.

Também lhe falava das chatices do trabalho, dos meus projetos de engenharia, dos meus sonhos, dos meus objetivos profissionais, e de muitas outras coisas. A recíproca também ocorria: ouvia-lhe sobre sua área profissional, a Psicologia, a respeito das áreas de abordagem (Psicanálise, Gestalt, Behaviorismo, etc), do seu dia a dia no curso, das experiências, dos trabalhos, do conteúdo de seus estágios, sempre com crianças e adolescentes, escutava-lhe sobre sua intenção em se especializar em Psicomotricidade e de seu desejo em montar uma sala com amigas, para iniciar na área. Ouvia sobre seus medos e receios na profissão, e muitas outras coisas.

Incluo também as brigas, discussões e diferenças... isso mesmo: não quero que ninguém pense que não tínhamos nossas desavenças, pois isto é nato do ser humano. Não somos um casal perfeito, pois perfeição só existe em Jesus. Muitas vezes, não combinávamos em nossas posições, mas sempre acabávamos resolvendo, através do ato de ceder um pouco, algumas vezes. Só que hoje nem mesmo brigo mais com minha esposa, pois além de não poder contrariá-la, ela não tem condições de se defender. Ou seja: sinto tanta falta de como ela era antes de adoecer que tenho saudades até mesmo de nossas brigas. Falando sério. E podem confirmar com nossos amigos e parentes, seja pessoalmente ou por meio das redes sociais, se estou exagerando em alguma de minhas colocações.

Mesmo com um contexto bem diferente, é como uma música secular do cantor João Bosco, que diz assim:
“...Sem ao menos escutar você mentir pra mim, me diz, meu bem, como é que eu faço pra dormir...”

Até consigo conversar algumas coisas, ainda lhe conto aonde vou, o que vou fazer e a que horas voltarei (as enfermeiras estão de prova disso)... É como naquele filme "Um Sonho de Liberdade", onde o personagem de Morgan Freeman se queixa de que houvera passado os últimos quarenta anos pedindo permissão para ir ao banheiro urinar, e ao ter a liberdade de fazê-lo sem ter que pedir, não conseguia. Ajo assim com minha esposa há 12 anos, e hoje, simplesmente não consigo sair de casa sem dizer a ela aonde vou. Só que ela não me responde mais com palavras, apenas com gestos, e ainda assim, com muita dificuldade. Que dirá me acompanhar nas outras coisas que falei? Assistir a filmes comigo, sem enxergar? Opinar sobre minha vida, minhas decisões, sem falar? Jantar comigo, sem comer? Passear comigo... sem andar?
São dezoito anos juntos, entre namoro, noivado e casamento; dezoito harmoniosos anos, sem traições, nem infidelidade conjugal... E de repente, em apenas seis meses, um quadro neurológico se instala, incapacitando minha esposa até seu estado atual. Por isso, não faço praticamente mais nada, pois tudo fazia com a companhia de Gecélia, e hoje, ela não consegue mais me acompanhar.

Só me resta pedir forças a Deus, mas não para superar a situação, e sim para conseguir me adaptar à mesma, no nível de vida que me seja possível cumprir com minhas obrigações, e ao mesmo tempo, manter-me com saúde física, mental e emocional suficientes para tocar a vida. Também continuarei pedindo a Deus que cure Gecélia. Assim, com minha “metade” de volta, poderei ser alguém “inteiro” novamente.

Paz a todos.
Samuel Luna, esposo de Gecélia Luna.

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